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Não sei se todos aqui já sabem, mas, depois de ter vários contos e crônicas publicados em jornais estudantis, boletins de igrejas e outras coisas mais, participei de um concurso de contos e vi meu conto publicado em um livro chamado – Com a Palavra os professores do Brasil.
Resolvi então, esta semana, publicar o conto por aqui.
Espero que gostem e que não levem em conta minha pouco experiência na época.
Uma avó em apuros!!!
Vovó Emília sempre foi uma avó a moda antiga. Com sua cadeira de balanço, doces em compotas, bolo de chocolate e sempre uma história interessante para contar.
De família alemã, possuía pele clara e olhos azuis que, apesar dos contornos enrugados, trazia uma jovialidade incomum para sua idade. Embora tivesse casado muito cedo, vinha de um casamento muito bem sucedido com um pediatra famoso.
Quando seu marido morreu pensaram que ela iria logo em seguida. Mas, embora tenha sofrido muito, teve uma razão muito forte para continuar.
Um dia Ariane, sua caçula, voltou dos EUA sem o marido e sem avisar. Chegou com os quatro filhos, que iam de nove meses a quatorze anos, dizendo que a mudança viria depois. Mas nunca veio. Chegou com tudo planejado: os filhos ficariam com a vovó até ela se organizar. Como toda mãe que se preze, vovó adorou a idéia, só não sabia o que a aguardava.
Desde a 1ª semana Ariane se enfiou na clínica que antes era do meu avô, e que agora era dirigida por dois de seus filhos. Inocentemente, vovó achou que ela estava se adaptando.
Um dia Ariane desmaiou na rua. Foi socorrida às pressas e levada para um hospital, de onde nunca mais retornou. Só então vovó soube que sua filha estava morrendo, e, por isso, havia voltado para o Brasil. Queria confiar a criação de seus filhos à vovó.
Acho que foram os piores dias da vida da vovó. A morte de um filho, dizem por aí, leva uma pessoa a um sofrimento inimaginável, e vovó estava experimentando isso naquele momento.
Vovó emagreceu tanto que parecia ter diminuído de tamanho. E após o enterro, ficou paradinha num cantinho pensando, pensando. Jonatas, seu primogênito, sentou–se ao seu lado. Vovó continuou quietinha, até que, depois de alguns minutos, balbuciou algumas palavras.
- Sou uma avó em apuros!
Jonatas deitou a cabeça no ombro da vovó e afirmou:
- No lugar da Ariane eu teria feito o mesmo.
A princípio vovó não tentou fazer nada. Era como se esperasse o tempo passar. Dizem que o tempo curar tudo. Ou, quem sabe, esperasse por um milagre. Ela parecia se sentir muito perdida no meio de laptop, ipods, playstation e uma sofisticada baba eletrônica. Eram tantas novidades que, ironicamente, dizia que seus netos haviam vindo de outro planeta. Um dia Wiliam, um dos seus netos, tentou mostrar a vovó como funcionava seu ipod. Ao colocar o fone, vovó deu um salto para trás, tamanha a quantidade de decibéis que invadiram seus tímpanos.
Vovó se sentia sem saída, até que um dia ao acordar, viu um pássaro em seu ninho empurrando o filhote para voar. Acho que nem ela mesma sabe ao certo o que essa imagem provocou. Mas, a partir dali, ela resolveu tentar.
Estabeleceu horários para tudo inclusive tv e computador. Deu ordem aos empregados para não recuarem diante das chantagens dos mais velhos. Chamou um decorador e, junto com as crianças, criou ambientes separados para os menores e maiores. Assumiu um tom de mãe que ninguém ousou questioná-la. Foi sempre muito difícil desde o início. Ela sabia que levaria anos para ver os primeiros resultados, se é que teria tempo para isso. Optou pelo único tipo de educação que conhecia, a bem tradicional. Mas regava tudo com muito amor, sabia muito bem como lamber sua cria.
Procurava sentar com os netos para tentar extrair o dia a dia deles, mas eles não davam muita bola para ela. Por isso resolveu colocar seu motorista no calcanhar deles. Contava também com a ajuda de uma boa vizinhança que, sempre que os viam em algum lugar suspeito, davam um jeito de avisá-la, e ela ia pessoalmente buscá-los. Como sabia dos efeitos das suas histórias, empoleirava seus netos na sua cama e ficava horas contando uma, duas e às vezes três histórias na mesma noite. Acho que era a única parte disso tudo que eles gostavam.
Os mais velhos deram muito trabalho, haviam tido uma criação bem americanizada, daquelas para lá de liberal, e com isso vovó cortava um dobrado. Richard, que se tornara meio amargo com a falta da mãe e com a distância do pai, teve que ter atenção dobrada. Vovó chegou a encontrar drogas em suas gavetas, mas não cotou nada para ninguém. Arrumou um psiquiatra para cuidar dele e disse, num tom ameaçador, que ele não poderia optar por permanecer no erro.
Vovó procurou toda a ajuda possível, além de ler tudo o que podia sobre como lidar com adolescentes, mas nada do que fazia parecia dar certo. Sarah, que também não era fácil, andava namorando demais. Búzios, onde moravam, recebia muitos turistas e uma vez Sara se envolveu com um holandês que queria arrastá-la com ele para Holanda. Graças a Deus ela ainda era menor, e sem autorização ela só conseguiu ir até a esquina se despedir dele. Claro que isso fez da vovó, sua inimiga nº 1.
Vovó arrumava muitas atividades para todos, pois acreditava na frase “mente vazia é oficina do diabo”. Obrigava-os a ler muito, praticar esportes e tocar um instrumento. Vovó sempre dizia que vida sem música não tem nem romantismo nem graça. Tudo isso era devidamente recompensado, com presentes e dinheiro, claro.
Willian não queria estudar o que vovó não entendia. Ele repetiu várias vezes na tentativa de sair da escola. Depois começou a desacatar os professores e chegou até a ser expulso.
Mary, uma das mais novas, e que ainda não falava português direito, queria voltar a morar com o pai. Mais uma que teve que ir para terapia, pois o pai achou que seria muito melhor para ela, ficar com os irmãos. Em rebeldia, Mary começou a furar orelhas, nariz e boca, e ainda apareceu com uma tatuagem enorme. Vovó quase entregou os pontos.
As coisas só começaram a melhorar um pouco quando, por influência impositiva dos netos, vovó percebeu que precisava mudar também. E foi o que ela fez. Foi aprender informática para tentar, por esse caminho, se integrar ao mundo dos netos. A partir de então enviava bilhetes por mails, batia fotos em máquinas digitais como ninguém e, mesmo resistindo, aprendeu um pouco do dialeto digital, mandava bjs, dizia naum, escrevia lek, rox e sux.
Choques de gerações a parte eles conseguiram evoluir, e a comunicação aos poucos foi sendo estabelecida.
E vovó conseguiu. Hoje, numa época bem distante da morte de Ariane, na cerimônia da formatura da neta mais novinha, vovó ouviu a seguinte homenagem:
- Eu, aquele bebê de apenas nove meses, influenciada ou não pelas histórias da vovó, ingressei precocemente, com 17 anos, na faculdade de medicina.
Sobre a vida após morte sabemos pouco, mas gostaria muito que mamãe estivesse nos observando de algum lugar. Com certeza ela saberia que fez a melhor escolha que uma mãe poderia ter feito, quando optou por nos trazer para os braços da vovó Emília. Vovó nunca foi uma avó em apuros porque sempre soube amar. Na vida podemos sentir falta de tudo, menos de amor, porque o amor, cura, anima, desenvolve e faz de qualquer um uma pessoa melhor.
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