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Confesso que o post de hoje não é agradável, mas necessário. Precisamos refletir sempre sobre nossos atos. A notícia abaixo inspirou o post de hoje.
"Mário Sérgio – agora ex-comandante geral da Polícia Militar, pediu demissão ontem.
Na nota, Mário Sérgio reconhece o desgaste, depois da prisão do tenente-coronel Cláudio Luiz de Oliveira, suspeito de ser o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli."
Fonte: www.jornalfloripa.com.br
Não tem como não sentir uma tristeza enorme com uma notícia dessas. Mas, sabemos que isto é fruto de descaso das autoridades, de políticos que costumam dar um jeitinho aqui, pedir um favorzinho, e assim, e de nós mesmos. De corrupção em corrupção chegamos a este ponto.
A notícia acima me fez lembrar um texto, que correu na internet tempos atrás, intitulado “O Mensalão de todos nós” de Pedro Paulo Rodrigues Cardoso de Melo, que fala direta e claramente sobre nossa parcela de culpa. Então, vamos a ele, vale reler e refletir sobre o assunto.
O “Mensalão” de todos nós
Numa tarde de sexta-feira, recebi um telefonema de um amigo me convidando para ir a um churrasco na sua casa. O churrasco seria a despedida de um outro amigo nosso que havia sido transferido de cidade.
Acontece que na naquela noite eu tinha que dar aula na faculdade. Melhor, eu tinha que dar quatro aulas na faculdade e, por isso, não poderia ir ao churrasco de despedida do amigo. O problema é que eu queria ir ao churrasco e, também, não queria dar as aulas que eu tinha que dar. Instalou-se, então, um conflito. De um lado gritava o desejo de não dar aula e de estar junto dos amigos em uma comemoração e de outro reinava a obrigação que deveria ser cumprida. Como solucionar o problema de uma forma que eu ganhasse nas duas frentes era o que eu tinha que fazer. Mas, como?
Bem, eu agi como, geralmente, todos nós agimos: fiz de conta que estava cumprindo com a minha obrigação quando, na verdade, fui de encontro à satisfação do meu prazer e me menti várias vezes dizendo aos amigos que havia deixado os alunos estudando na biblioteca da faculdade. Parecia que eu queria me convencer transformando em verdade uma mentira que eu sabia que era mentira, já que tinha sido eu o seu protagonista.
O churrasco iria começar às oito horas da noite e a aula às sete e meia. Ora, fui para a faculdade, registrei a aula, fiz a chamada e inventei uma aula de leitura na biblioteca com a desculpa (ou melhor, mentira) que eles (os alunos) precisavam ler mais e mandei que se dirigissem à biblioteca, abandonando a turma. Depois, fui à outra turma (a que iria assistir aula depois do intervalo) e fiz a mesma coisa. Depois disso, saí para o churrasco querendo acreditar que havia cumprido religiosamente com o meu dever de professor.
No churrasco, fiquei numa mesa com o dono da casa, que é médico, o amigo que estava sendo homenageado, que é policial, um amigo do homenageado que é advogado e político e a sua esposa que é universitária e estuda no período da noite. Entre muita cerveja e pouca carne o assunto era um só: a roubalheira dos nossos políticos e a passividade da sociedade (todos nós) mediante a podridão do episódio do mensalão. Todos nós estávamos revoltados e propondo soluções para o melhor funcionamento da máquina pública e para o resgate da ética entre a classe política.
O dono da casa receitou para o país o seguinte tratamento: "precisamos renovar a classe política. Há trinta anos que no Brasil os políticos são os mesmos e há trinta anos que eles fazem as mesmas coisas". Lógico, que todos nós concordamos e assinamos em baixo da sua receita mostrando-lhe apoio e solidariedade.
Depois disso, surge no grupo o plano da universitária. Segundo ela, "ou resgatamos os valores morais da sociedade ou estaremos condenados, para sempre, ao subdesenvolvimento". Mais uma vez, todos nós concordamos e quase aplaudimos. Principalmente eu, que "sou professor".
Lá para tantas, o policial homenageado decretou: "o problema do Brasil é a impunidade. Os políticos roubam e nada acontece com eles". Nesse momento todos nós falamos, citando exemplos, que corroboravam com a verdade falada pelo amigo militar deixando claro que acreditávamos que ele estava com a mais pura razão.
Depois disso, falou o político. Começou defendendo a classe, dizendo que "nem todos os políticos são corruptos, mas que alguém deveria, sim, promover uma limpeza nas instituições nacionais e em todos os níveis para o bem geral da nação". Em tese, ele aperfeiçoou a receita do amigo anfitrião.
Num dado momento, o telefone do dono da casa tocou e ele se afastou um pouco para atender. Não deu para ouvir o que ele falava, mas era notório que ele vociferava bravo. Cerca de um minuto depois ele retornou à mesa e, com raiva, falou que "não dava para trabalhar com certas pessoas".
O telefonema que ele havia recebido era do hospital. Naquela noite ele estava de plantão, mas ele já havia passado no trabalho e, para o meu consolo, havia usado a mesma tática usada por mim na faculdade. Chegou cedo no hospital, visitou alguns pacientes e leu "por cima", os prontuários dos outros. Depois de uma hora foi para casa e deixou a seguinte recomendação: "só me liguem em caso de extrema emergência ou se aparecer pacientes particulares". Sendo assim, era um absurdo a enfermeira lhe telefonar só porque chegara um senhor de sessenta e quatro anos de idade com suspeita de infarto. "Se, ao menos ele estivesse sido diagnosticado, ela poderia me ligar", desculpou-se.
Ele "receitou" alguns medicamentos pelo telefone e disse que a enfermeira podia retornar a ligação (se ela tivesse coragem para isso), caso acontecesse alguma coisa.
Na tentativa de aliviar o clima, perguntei ao amigo que estava recebendo a homenagem se ele já havia feito a sua mudança. Ele respondeu que sim e, satisfeitíssimo, contou que a mesma não tinha lhe custado nada. Intrigado, pois sabia que ele estava indo morar em uma localidade distante quase quinhentos quilômetros da nossa cidade, perguntei como isso havia acontecido.
Segundo ele, o dono de uma transportadora lhe havia retribuído "um favor", já que ele, meses antes, tinha "resolvido" uns probleminhas de multas nos seus carros que poderiam lhe custar a habilitação e, até mesmo, a sua empresa!
De repente, a esposa do político liga para uma colega que estava assistindo aula para saber se tinha dado certo "aquele plano". Ou seja, o plano da colega responder a chamada por ela enquanto ela estava no churrasco, pois ela já estava "pendurada nas faltas" na disciplina em questão e não poderia, "por nada", ser reprovada. E, toda feliz, sorriu com a assertiva da colega. O plano havia dado certo. Mais feliz, porém, fiquei eu, pois a faculdade que ela devia estar assistindo aula era a mesma que eu devia estar lecionando. Portanto, eu estava diante de uma companheira de enganação.
Em um outro momento, o anfitrião pergunta ao político como iria ficar o caso de uma determinada pessoa. Apenas isso. E ele respondeu que tudo estava indo bem. O único problema era que na secretaria almejada já havia alguém concursado ocupando cargo que tal pessoa pleiteava, mas que ele não se preocupasse, pois estavam estudando uma medida legal (?) para transferir o "dito cujo" de função ou de setor para a vaga "do fulano" ser ocupada por ele. "Ele é um que não pode ficar de fora, pois foi comprometido com a gente até o fim", finalizou.
Em meio a tudo isso, não deixávamos de falar das CPI’s, da corrupção dos políticos e da cumplicidade da sociedade que, apática, não movia uma palha para mudar nada.
Chegando em casa fui pensar naquela noite e em tudo o que havia presenciado. De repente, me dei conta que o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro está certo quando diz que "nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade e que esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas que o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável".
O melhor era que eu não precisava pesquisar em nenhuma fonte bibliográfica para concordar com o escritor. A sua afirmação estava magistralmente retratada no meu comportamento e no comportamento dos meus amigos naquela noite e naquele churrasco que eu havia frequentado.
Para começar, eu roubei o povo ao fazer de conta que estava dando aula quando na verdade não estava. Da mesma forma, como professor, eu estou surrupiando (roubando) a sociedade quando adoto como metodologia de ensino os tão conhecidos seminários apenas para não dar aulas com a mentira disfarçada de desculpa bem intencionada de que os alunos precisam treinar a arte de expressar bem as suas idéias. Isso pelo fato dessa afirmação não ser verdade, mas parte de uma verdade maior.
É lógico que os alunos precisam treinar a arte de bem expressar as suas idéias, mas depois de serem ensinados e conduzidos pelo professor que, por sinal, é pago para fazer isso. A verdade inteira é que, quase sempre por motivos pessoais, o professor acaba transformando o que seria uma, de várias técnicas de ensino, em sua prática regular de ensino e o resultado é uma enorme massa de estudantes "transfigurados", da noite para o dia, em professores dos professores que deviam ensinar, mas não ensinam.
E o que dizer do anfitrião da festa? Do médico que estava "tirando plantão" e que, portanto, estava ganhando o seu salário e reclamou por ser incomodado, apenas porque um senhor de idade estava com suspeita de infarto? Somos tão imersos na nossa convicção de que somos bons, quando na verdade não somos, que o médico chegou a dizer que, se ao menos o ancião tivesse sido diagnosticado por um profissional, então ele se sentiria na obrigação de ir atendê-lo. Ele só esqueceu de um detalhe: se o plantonista do hospital que, por sinal era ele, estivesse cumprindo o seu plantão, o senhor de sessenta e quatro anos de idade, casado, pai de seis filhos, aposentado e que trabalhava desde os doze anos de idade e contribuía com a previdência há trinta, talvez tivesse sido atendido por um profissional e não tivesse sofrido um derrame cerebral.
É interessante vermos, também, o caso da universitária, a defensora dos valores morais. E, aqui eu pergunto: quais valores seriam esses? O valor que nós damos ao "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço?" O valor que depositamos nos nossos desejos pessoais e nas nossas vontades de uma maneira tão absoluta e absurda que, simplesmente, esquecemos que não vivemos sozinhos "nesse mundão de meu Deus?" O valor que damos ao famoso jeitinho brasileiro que, não custa lembrar, só virou instituição nacional porque nós lhe damos vida com as nossas atitudes?
Sim, porque se formos honestos e verdadeiros com nós mesmos, somos obrigados a admitir que, no geral, esses são os nossos valores porque é assim que nós somos e é assim que nós fazemos, com raríssimas exceções. Os valores que almejamos como ideais, infelizmente, só existem no mundo das nossas idéias e/ou como metas a serem atingidas pelos outros e não por nós.
No caso do policial, ele me mostrou uma coisa bastante óbvia: que é fácil fazer favores com o esforço que não é nosso para sermos merecedores de créditos que também não nos pertencem, para depois declararmos que o nosso país é o país da impunidade, pois os outros, e não nós, são larápios da coisa pública. Por isso que ele resolveu alguns problemas de um amigo onerando o erário, para ser recompensado depois. Ou seja, roubou o coletivo para ser beneficiado no particular.
A mesma coisa se aplica ao político que, lembrando mais uma vez, é também advogado, defensor da lei e da justiça. Pode? Vergonhosamente, pode sim. E, a prova de que isso é verdade está na própria justiça que fazemos. Uma justiça que liberta uma jovem que confessa o planejamento e o assassinato dos pais baseado em um argumento que ninguém sabe qual é e que, por mais legal que possa ser, é imoral e totalmente fora do bom senso; uma justiça que prende as pessoas que filmaram e denunciaram um esquema de corrupção nos correios enquanto deixa em liberdade o corrupto que foi filmado recebendo propina; uma justiça que manda para as cadeias apenas os pobres e os negros; uma justiça que sempre solta os ricos que são presos (quando são) e que é extremamente distante do povo que a mantém; uma justiça, enfim, injusta e, porque não dizer, muitas vezes criminosa.
Acredito que mais uma vez o Brasil passa por uma oportunidade de ouro para rever-se como país e sair crescido e melhorado de toda essa crise. O grande problema está nas pessoas. Em mim, em você, nos nossos familiares, colegas, amigos e inimigos, parentes e aderentes. Isso, porque, se quisermos realmente uma nação melhor temos que assumir que nós também somos recebedores do mensalão e que, portanto, cada um de nós também é merecedor de sentar nas cadeiras da CPI.
Recebemos o mensalão quando sonegamos imposto, quando matamos aula e inventamos uma justificativa para não levarmos falta, quando faltamos ao trabalho e fazemos de conta que não faltamos (como eu fiz) ganhando o que é indevido, quando copiamos ou compramos CD’s piratas, quando pagamos propinas ao guarda de trânsito para ele não nos aplicar uma multa que ele deveria aplicar, enfim, todos nós, cada um a seu modo e com o seu preço, também é culpado, pessoalmente, por tudo isso que está acontecendo no nosso país.
Finalizando, é bom não esquecermos que os nossos políticos não vieram de marte; não vieram de uma outra galáxia ou do céu, mas do nosso meio, um meio que é corrompido por nós, pois somos, também, corruptos e corruptores. É bom não esquecermos, de igual modo, que esse é o real motivo para a sociedade (nós) assistir apática a toda essa decadência, pois no fundo, não é apatia, mas cumplicidade. Nenhum de nós toma uma atitude de mudança porque acreditamos (ou temos a certeza) que se um dia estivermos no lugar dos políticos, faremos a mesma coisa que eles fazem, aumentando o nosso mensalão. Como disse Freud, "seríamos bem melhores se não quiséssemos ser tão bons", e ele estava certo. Bom seria se tivéssemos a honradez de olhar para essa verdade constantemente.
Fonte: http://www.kplus.com.br
1 comentários:
É ... post "puxado". Valeu muito a reflexão !
Adorei :) Bjs
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